George Matias de Almeida Júnior
Aceito os Termos de uso e condições.
Este livro argumenta contra a interpretação da “teoria dos dois mundos” imputada à filosofia de Platão. A diferenciação entre δόξα e ἐπιστήμη no final do livro V da República não promove uma separação de duas totalidades ou dois mundos opostos, o mundo inteligível e o mundo sensível. A partir do discurso no Timeu sobre a geração do κόσμος (27c-40d), em particular a introdução do ser vivo inteligível como modelo do mundo, e do discurso sobre o terceiro gênero, o “espaço” (χώρα) (47e-61c), mostramos que a teoria dos dois mundos se choca contra a postulação da unidade do κόσμος e as reflexões platônicas sobre τόπος e χώρα em ambos os diálogos, particularmente no Timeu. A análise dos significados de “mundo” e de “espaço-lugar” renovará algumas questões inerentes à teoria das Formas inteligíveis e um esboço da história da teoria dos dois mundos mostrará de que modo essa interpretação foi projetada sobre a filosofia de Platão. A difundida interpretação da “teoria dos dois mundos” não corresponde à essência do pensamento de Platão, ao contrário do que se acredita. Essa interpretação não pressupõe uma consideração satisfatória do que significa “mundo” propriamente e vai contra uma análise mais detida da filosofia dos diálogos, não apenas contra a ontologia e a epistemologia das obras, mas contra os princípios básicos da cosmologia e da topologia platônicas. De saída, será crucial um estudo sobre as definições, as origens, os pressupostos e implicações da teoria dos dois mundos, pois, apesar da disseminação da interpretação, podemos notar vaguezas, incoerências e lacunas em seus pressupostos e métodos usuais de análise. O livro apresenta e discuti as críticas ontológicas-epistemológicas dirigidas à teoria dos dois mundos por G. Fine, F. Gonzalez e M. Marques, entre outras, às quais somos favoráveis, e propõe que esse viés standard seja enriquecido e complementado pelo estudo dos conceitos (assim como as metáforas e as imagens) de “mundo” e de “espaço-lugar”. O livro recoloca as questões sobre o que é a teoria dos dois mundos, o que é mundo e o que é espaço-lugar, para mostrar que, apesar da história da teoria dos dois mundos e de sua ampla aceitação entre os estudiosos, imagens e conceitos fundamentais do pensamento platônico explícitos no Timeu contrariam frontalmente a suposição da existência de dois mundos separados e opostos. Destaca-se, em especial o princípio da unicidade do κόσμος e a teoria do espaço-lugar em Platão, cuja análise ilustrará nuanças cruciais na noção de “separação”, que o âmbito do vir a ser e da sensibilidade não é irreal ou menos real e que a ontologia platônica mantém um princípio unificador no qual a heterogeneidade dos gêneros ou dos τόποι sensível e inteligível é afirmada num contexto dialético de reconhecimento das complexidades e integração das diferenças entre o que aparece e o que é inteligido. A partir disso, contra a opinião predominante, olivro defende a ideia de que não há dois mundos na filosofia platônica, e sim dois (ou mais) aspectos ou eventualmente graus de determinação distintos de um único mundo.
Introdução
1. Sentidos, pressupostos, origens e implicações da teoria dos dois mundos
1.1. Introdução
1.2. O que é a teoria dos dois mundos e onde a encontramos na obra de Platão?
1.3. A difusão da interpretação da teoria dos dois mundos
1.4. Pressupostos
1.5. Origens
1.5.1. Kant
1.5.2. Nietzsche
1.5.3. Arendt
1.6. Críticas à imputação de uma teoria dos dois mundos a Platão
1.7. Mundo, espaço e lugar: uma alternativa às alternativas existentes da teoria dos dois mundos
Conclusão
2. A versão “standard” da teoria dos dois mundos
2.1. Introdução
2.2. Breve delineamento de República V, de acordo com a versão standard
2.2.1. A posição de Fine e a via standard de discussão sobre a teoria dos dois mundos
2.2.2. A posição de Marques
2.2.3. A posição de Ferrari
2.2.4. A posição de Fronterotta
2.2.5. A posição de Gonzalez
2.3. Comentários gerais sobre a via standard da interpretação da teoria dos dois mundos
Conclusão
3. O sentido ontológico-epistemológico de mundo, espaço e lugar
3.1. Introdução
3.2. Mundo como problema
3.3. As palavras para mundo
3.3.2. Visão pré-filosófica de mundo
3.4. Quellenforschung sobre κόσμος
3.5. Espaço e lugar
3.5.1. Uma consideração preliminar importante
3.5.2. O uso de termos locativos em Platão
3.5.2.1. Grupo 1: escatologia e lugar
3.5.2.2. Grupo 2: a alma enquanto “lugar”
3.5.2.3. Grupo 3: Ser é ser em algum espaço-lugar
3.5.2.4. Grupo 4: Formas inteligíveis, realidade sensível e espaço-lugar
3.5.2.5. Fédon
3.5.2.6. Fedro
3.5.2.7. República
Conclusão
4. O ser vivo inteligível (νοητόν ζῷον) do Timeu
4.1. Introdução
4.2. O modelo do mundo como o ser vivo inteligível (νοητόν ζῷον)
4.3. Síntese das passagens relevantes sobre os seres vivos
4.4. Algumas das principais discussões sobre o modelo do mundo no Timeu
4.4.1. Keyt e a falácia de divisão
4.4.2. Parry e o modelo holístico forte do νοητόν ζῷον como mundo inteligível
4.4.3. Thein e a deflação da teoria dos dois mundos
4.4.4: Tomando posição com relação ao ser vivo inteligível
4.5. Comentários suplementares sobre vida, ser e espaço-lugar em Platão
4.5.1. Fronterotta e uma crítica da crítica da teoria dos dois mundos
4.5.2. Ser e vida: crítica a um consagrado paradigma de leitura
4.5.3. Ser, vida e teoria dos dois mundos
Conclusão
5. Xώρα como princípio de diferenciação
5.1. Introdução
5.2. O que é o espaço-lugar?
5.2.1. Contexto interno
5.2.2. Timeu e o “receptáculo”
5.3. Aporias nas interpretações do terceiro gênero
5.3.1. Elementos para χώρα como espaço
5.3.2. Elementos para χώρα como matéria
5.3.3. O problema do substrato
5.4. Algumas das principais discussões sobre a χώρα
5.5. A crítica de Aristóteles ao Timeu
Conclusão
6. A biografia do mundo inteligível
6.1. Introdução
6.2. Platão e a Academia antiga
6.3. Fílon de Alexandria
6.4. Outros autores do século I: Timeu de Locres, Aécio, Plutarco, Aquiles
6.5. O século II: Alcínoo, Albino, Apuleio, Tauro, Numênio, Ático
6.5.1. Alcínoo
6.6. Clemente de Alexandria
6.7. Orígenes
6.8. Plotino
6.9. Agostinho
6.10. Aristóteles
Conclusão
7. O mito razoável (εἰκὼς μῦθος) do Timeu
7.1. Introdução
7.2. Burnyeat e o “mito razoável” do Timeu
7.3. Εἰκώς
7.4. Mito e λόγος
7.5. A tradução e análise de Timeu 29c4–d3
7.6. Raciocínio prático (practical reasoning)
7.7. As leituras de Betegh, Mourelatos e Brisson da interpretação de Burnyeat
7.7.1. Betegh
7.7.2. Mourelatos
7.7.3. Brisson
Conclusão
Conclusão
Referências bibliográficas
Anexo A: ocorrências de χώρα e τόπος nos diálogos
George Matias de Almeida Júnior é bacharel, mestre e doutor em filosofia pela UFMG, com licenciatura pelo instituto Claretiano. Dedica-se desde a graduação à pesquisa em filosofia grega antiga, e especialmente a obra de Platão. Participou de diversos eventos nacionais e internacionais e publicou alguns artigos sobre aspectos variados da filosofia grega antiga, incluindo a questão da atopía, ou do não-lugar da filosofia, bem como sobre outros temas dos diálogos platônicos. No doutorado se dedicou a combater a consagrada interpretação da teoria dos dois mundos atribuída a Platão, mostrando sua inviabilidade. Atualmente exerce docência no ensino Médio e acaba de lançar um livro com os resultados de sua tese.
Título: Mundo, espaço e lugar: uma crítica à teoria dos dois mundos atribuída a Platão
Autor: George Matias de Almeida Júnior
Editora: Ed. PPGFIL-UFMG
Páginas: 565
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN: 978-65-01-27619-9
DOI: 10.5281/zenodo.14531836